O arquétipo do herói é um fenômeno psíquico extraído do inconsciente coletivo, bastante levado em consideração na psicologia analítica, haja vista sua associação ao desenvolvimento do ego no processo evolutivo da personalidade e sua implicação no processo de individuação, tão abordado na análise junguiana.
Para Lutz Muller (1997), o herói representa “o modelo do homem criativo, que tem coragem para ser fiel a si mesmo, aos seus desejos, fantasias e às suas próprias concepções de valor. Ele se atreve a viver a vida, em vez de fugir dela”. Daí se depreende que o herói simboliza uma meta e também um caminho em direção à vida criativa e à individuação, permeado por lutas e desafios constantes.
Todavia, o início desse percurso heroico, que culmina na morte (como símbolo de transformação e renascimento), é por demais penoso, implicando em muitas dificuldades para a maioria das pessoas em seu desenvolvimento do ego, pois diz respeito a uma infância sofrida e ameaçada, ou seja, à vulnerabilidade infantil que somente é ultrapassada pela ajuda de uma força superior, muitas vezes de difícil acesso. Assim, como primeira das principais características presentes no arquétipo do herói, podemos citar o seu nascimento dramático e/ou a infância ameaçada.
Em seguida, temos as várias etapas de lutas, enfrentadas com coragem e ousadia. Sempre visando sua meta, o herói vai ultrapassando os desafios e dificuldades que a vida vai apresentando, utilizando as “armas” de que dispõe, sem as quais é impossível vencer tantas batalhas. Uma dessas armas arquetípicas é a espada, símbolo da capacidade vigorosa de decisão, da resolução, da coragem e da iniciativa (Muller, 1997, p. 47), assim como também da capacidade de resistência, da autoafirmação, da autonomia e da agressividade criativa, da concentração (Muller, 1997, p. 52).
Outra arma também bastante extraída do inconsciente coletivo é o escudo protetor - refletor, símbolo do conhecimento e da clareza espiritual, bem como da capacidade de distanciamento objetivo diante dos fatos da vida (Muller, 1997, p. 59), cujo manejo é tão importante para o herói que, ainda nas palavras de Muller (1997), “necessita de uma consciência crítica da realidade, relacionada tanto com o mundo exterior quanto com o nosso mundo interior”.
Podemos citar ainda como características principais: a integração do lado instintivo na personalidade, o que é retratado simbolicamente pela força animal, muitas vezes se apresentando em sonhos e fantasias como um animal selvagem (serpente, leão, touro etc.), sendo um fenômeno importante para sanar os distúrbios que decorrem da unilateralidade na psique, promovendo o equilíbrio entre natureza (instinto) e espírito. Além do que essa integração do lado instintivo irá auxiliar no enfrentamento dos medos existenciais e “emoções ameaçadoras que surgem quanto tentamos nos aproximar da nossa realidade interior inconsciente” (Muller, 1997, p. 66).
Esses medos e ameaças é simbolicamente apresentado pela figura arquetípica do dragão; assim sendo, o herói vai aprendendo a dominar tais sensações inferiores à medida que entra em confronto direto com tal imagem.
O embate com a sombra também é uma característica importante presente no caminho do herói, sendo retratado em seu “duplo caráter” ou comportamento ambíguo, haja vista que a ausência de percepção quanto ao seu lado sombrio em muitas ocasiões leva o herói à desmedida no exercício do poder, culminando em atos de dominação, cólera e agressividade, cuja raiz encontra-se na infância sofrida.
Por fim, uma característica fundamental no arquétipo do herói é sua morte, como símbolo de transformação e renascimento após todo um percurso de desafios e conquistas. A morte – ou o reencontro com a Grande-Mãe – revela-se, portanto, como a meta final da trajetória heroica, ou mesmo como um novo ponto de partida, levando o herói a uma nova luta, início e fim de uma eterna caminhada.
Referência:
MULLE, Lutz. O Herói - Todos Nascemos para ser Heróis. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
Texto extraído de trabalho realizado pela autora no curso de pós-graduação em Psicologia Junguiana.
Comments