Na visão na Psicologia Analítica, os distúrbios psíquicos decorrem sobretudo da existência de um conflito interno entre impulsos discordantes; como se houvesse em nós dois “seres” se comportando de modo antagônico, cada um exigindo espaço para sua expressão junto à consciência.
Exemplo clássico: um conflito entre a vontade do Ego e as expressões da Sombra. É desse tipo de conflito que se cria uma cisão da personalidade e, por consequência, todos os sofrimentos neuróticos. Imagine quando esse conflito se torna uma espécie de “guerra civil” em nosso campo psíquico-emocional!
Jung resume bem esse entendimento nessa frase:
A neurose é uma cisão interior, uma discórdia íntima. (§522)
Assim, de acordo com sua explicação, tudo aquilo que tende a reforçar esse estado de discórdia íntima irá agravar a neurose – ou seja, o distúrbio psicológico, qualquer que seja; e tudo aquilo que ajuda a reduzir tal discórdia irá nos devolver a saúde.
Tendo isso em mente, a questão mais importante agora é:
Então, como resolver esse conflito? Como apaziguar essas “partes” em guerra, restabelecendo a paz? Como reconciliar-se com as próprias falhas?
Em outras palavras, queremos saber como encontrar o EQUILÍBRIO psíquico! Precisamos descobrir qual a fórmula individual para a integração psicológica, sem precisarmos sacrificar por completo a personalidade. Jung menciona, inclusive, que o homem moderno aspira à aceitação do lado sombrio de sua natureza humana, pois ele deseja “saber o que ele é” e busca viver de acordo com aquilo que ele próprio é.
Diante de tais questões, Jung chega a apontar que – em razão da enantiodromia (conversão no contrário) – no percurso de um tratamento psíquico, podemos (ou devemos!) inclusive utilizar com proveito as próprias insuficiências ou atitudes negativas dos pacientes e os sofrimentos neuróticos que tais atitudes implicam. Isso porque a enantiodromia, que é um processo natural do sistema psíquico, “pouco a pouco torna possível a unificação das duas componentes opostas da personalidade, pondo fim à guerra civil que nela se trava”.
Portanto, nossa atitude enquanto profissionais da saúde mental deve ser de não menosprezar essas inclinações negativas da personalidade (lado sombrio) e sim de prestar atenção ao momento da “conversão ao contrário”. Ou seja, uma postura isenta de preconceitos e de atenção às potencialidades da alma.
Em suas palavras:
(...) é preciso, antes de tudo, trilhar a via da doença, o labirinto de erros, que agrava inicialmente ainda mais os conflitos e aumenta a solidão até torná-la insustentável. Mas há a esperança de que no fundo da alma, de onde provêm todos os elementos destruidores, nasçam igualmente os fatores de salvação. (§532)
Nesse ponto, vale trazer aquela instigante citação de Jung: “A atitude do psicoterapeuta é infinitamente mais importante do que as suas teorias e os métodos psicológicos”.
Pois bem...
Segundo Jung, quando essa inversão acontece é como se “no ponto culminante da doença os elementos destrutivos se transformassem em elementos de salvação”; e isso se dá em virtude da manifestação de conteúdos de natureza arquetípica que, em momentos propícios, despertam a atividade autônoma da alma, “assumindo a direção da personalidade psíquica, em vez e no lugar do eu, incapaz de suas volições e aspirações impotentes”. (§537)
Para finalizar, deixo na íntegra essa explicação importante:
A grande inversão, com efeito, tem lugar no momento em que, nos sonhos ou nas fantasias, surgem conteúdos ou temas cuja origem não pode ser detectada na consciência. O fato de o doente ver-se confrontado com algo estranho que brota do reino obscuro da alma – mas que não se identifica com o eu e, por isso, se acha fora do arbítrio do eu – é sentido como uma iluminação decisiva: o sujeito reencontra o caminho de acesso para as fontes da vida da alma, e isto constitui o início da cura. (§534)
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Ref.: Escritos Diversos - OC 11/6
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